Existe relação entre o sotaque e o voto para presidente?


Este blog não costuma falar de política, mas, se sou um pseudolinguista, posso muito bem ser um pseudo cientista político. (Ou seria pseudocientista político? Clique aqui para ler sobre isso.)

O mapa da esquerda mostra o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais de 2006. Os municípios vermelhos foram os que votaram mais no candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto os azuis foram aqueles onde quem teve mais votos foi o PSDB com Geraldo Alckmin. Uma divisão regional quase idêntica foi vista na eleição de 2010, novamente opondo PT e PSDB.

O mapa da direita divide o Brasil em duas partes de acordo com o sotaque. Na parte vermelha, as pessoas pronunciam o R de porta com um som aspirado ou gutural, igual ao de RR. Na parte azul, o R de porta é alveolar (pronunciado com a língua no céu da boca), seja como aproximante retroflexo (o famoso "R caipira") ou como um tepe (igual ao R de "caro"). A área arroxeada é de sotaque indefinido (conforme Antenor Nascentes).


E que é que a gente constata? As regiões com R gutural são quase sempre as mesmas que votam no PT, enquanto as de R alveolar correspondem aproximadamente às que votam no PSDB. Tem exceções no Norte, mas isso é de se esperar quando tem tantos fatores envolvidos. A correlação é especialmente clara em Minas Gerais: dentro desse estado passa a falha geológica entre os sotaques, e ela é bem próxima da linha que separa os municípios vermelhos dos azuis.

Achou a tese viajada? Pois saiba que, num país colonizado, o sotaque de cada região é determinado pela história da sua ocupação, pelos movimentos migratórios que passaram por lá. A variante local da língua faz parte de um pacote cultural maior que pode ajudar a explicar o voto, mesmo que indiretamente. 

Quer um exemplo? A área roxa do mapa tem sotaque dito indefinido porque o mapa foi feito nos anos 50, quando era "praticamente despovoada". Desde então, a região virou uma fronteira agrícola e recebeu um grande fluxo de migrantes, boa parte deles vindos do Sul. Essa nova realidade, que certamente tem efeitos eleitorais, também vai ser refletida no sotaque dos habitantes. 

A melhor explicação para a correlação entre sotaque e voto parece ser que o sotaque também está correlacionado com o IDH. Nas últimas eleições, o IDH teve uma correlação fortíssima com o voto. Os municípios mais desenvolvidos tenderam a votar no PSDB, enquanto os mais pobres tenderam a escolher o PT. 

O mapa da esquerda é o mapa eleitoral de 2006; o da direita é o mapa do IDH municipal do ano 2000. Por cima dos dois, você vê a isoglossa que separa os sotaques de R gutural com os de R alveolar.

A correlação entre IDH e sotaque fica mais forte quando se classifica os sotaques de outra forma: segundo pronunciam sereno como "sé-reno" (E aberto) ou "sê-reno" (E fechado). Essa é a divisão mais importante entre os sotaques brasileiros; Antenor Nascentes usou ela para dividir o país linguisticamente entre Norte e Sul. Vejam de novo o mapa de IDH, dessa vez com a nova isoglossa:

Qual foi a grande diferença? O Rio de Janeiro e o Espírito Santo mudaram de lado. São estados atípicos, porque são ricos e têm sotaque de tipo sulista, mas ao mesmo tempo têm R gutural e votaram no Lula em 2006. Na eleição seguinte, a de 2010, o PSDB melhorou seu desempenho nos dois estados. Será que eles são os nossos swing states? (Nos EUA, chamam de swing state um estado que pode votar tanto num partido como em outro, sendo por isso imprevisível.)


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