"Anti-pena de morte" tem hífen?


"Antipena de morte" deve doer nos seus olhos tanto quanto nos meus. Nós sentimos que é uma maneira errada de escrever.

O Acordo Ortográfico trouxe muitas e complicadas regras para o hífen (clique aqui se quiser descobrir quais são), mas não cobriu algumas questões. Uma delas é quando se junta um prefixo a um nome próprio. Seria anti-Saddam ou antissaddam? "Anti-Mickey" ou "antimickey", como vi num livro impresso? Agora já há uma resposta: Evanildo Bechara anunciou que a Academia Brasileira de Letras vai propor uma alteração para oficializar "anti-Saddam", "anti-Mickey", et cetera.

Mas há uma outra questão que não tem resposta no horizonte. E quando o prefixo se juntar a uma expressão com palavras separadas por espaço, como "pena de morte"? Aplicando de forma inflexível os preceitos do Acordo, teríamos de escrever "antipena de morte", o que é uma aberração"Pena de morte" é uma locução: um conjunto de palavras que funciona como se fosse uma só. O prefixo anti está claramente se juntando a toda a locução "pena de morte", não só à palavra pena. "de morte" está qualificando só pena, e não antipenaNão queremos dizer "antipena" "de morte", e sim anti-"pena de morte". 

Que fique claro: o problema é só da escrita. Na fala, falamos tudo junto mesmo: antipenademorte. Não existe pausa entre as palavras quando falamos. O espaço existe só na escrita, para clarificar a compreensão na leitura. E "antipena de morte" vai contra os princípios que governam os espaços, porque "antipena" não é, no caso, uma unidade de significado.

"Antipena de morte" é de fato tão aberrante que ninguém é louco de usar: só encontrei 61 resultados na busca do Google. "Anti pena de morte" (escrito assim ou com hifens entre as palavras) dá 11 100. Por outro lado, "minirreforma política" e "minirreforma eleitoral" são facilmente encontrados (embora a variante com espaço ou hífen ainda seja dominante). É que, nesse caso, o problema é menos nítido: "minirreforma política" é mais tragável que "antipena de morte".

Qual é a solução?

Como preencher então o vácuo deixado pelo Acordo Ortográfico? 

"Anti-pena de morte", "pós-Segunda Guerra", "pré-Golpe Militar" podem ser encontrados na internet, mas esse hífen não resolve o problema. No máximo, atenua. 

Proponho olhar por cima do muro do vizinho e adotar a solução da Ortografia da Língua Espanhola de 2010. Consiste em manter o prefixo separado por espaço quando se unir a uma "base pluriverbal". Assim, escreveríamos "anti pena de morte", "ex menino de rua". 

Faz sentido a gente se basear na ortografia do espanhol, porque, no que se refere aos hifens, é parecida com o Acordo Ortográfico de 1990. No entanto, é preciso dizer que ela não abona escrever "mini reforma política". Se fôssemos segui-la rigorosamente, teríamos de escrever "minirreforma política" e "ex-presidente da República", porque é possível falar de uma "minirreforma" e de um "ex-presidente" nesse contexto, mesmo que não tenha sido isso o que você quis dizer. Os exemplos separados por espaço se justificariam em casos mais aberrantes: um "ex menino de rua" não é um "ex-menino", por exemplo. Quem é "anti Estados Unidos" não é "anti-Estados". E quem é "anti pena de morte" não é "antipena".

A minha opinião é de que devíamos ser mais radicais que os hispanoparlantes e escrever "ex presidente da República", "super cortador de grama", "mini reforma política". 

A única outra solução aceitável seria escrever "anti-pena-de-morte" e "ex-menino-de-rua". Decida você qual é a melhor.

3 comentários:

  1. Muito interessante o seu texto. Acho sempre bom olhar o que os espanhóis fazem em matéria de ortografia, já que o castelhano é uma língua tão próxima do português. Eu acho, por exemplo, que deveríamos utilizar o ponto de interrogação inicial no português, pelo menos no caso de longas frases ou que pudessem gerar dúvida. Quanto ao hífen nos casos que você discute, gostei da sua "radicalidade", que considero bem coerente.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. ¡Hola!
    Abordaje harto oportuno.
    De hecho se nota que esta es una cuestión subjetiva en el portugués. Yo tampoco he encontrado abordajes gramaticales oficiales tocantes a este tema, empero concuerdo contigo que la soldadura del prefijo al primer elemento (como en "antipena") hace la oración aberrante. A propósito, por el Web se encuentran mucho más entradas en las que el guion se emplea solamente entre el prefijo y el primer termo del nombre compuesto ("período Pós-Segunda Guerra"), por ejemplo.
    Recuerdos.

    ResponderExcluir