Acontece que reset vem de re + set, e a pronúncia reflete isso: nessa palavra em inglês, o S é pronunciado [s], e não como [z]. Tanto é que o Wiktionary registra a duvidosa variante "ressett". O indivíduo que inventou "resetar" e pronunciou \rezetar\ certamente não enxergou que vinha de set, ou talvez nem conhecesse essa palavra. Com certeza também não tinha ouvido "setar", um neologismo ainda mais detestável.
Por outro lado, foi a pronúncia, e não a escrita, que foi levada em conta quando surgiram as formas "futebol" (football), "náilon" (nylon), "caubói" (cowboy), e muitas outras. Do contrário, seria *fotebal, *nílon e *coubói. Até com palavras francesas aconteceu assim: "birô" (de bureau), "chofer" (choffeur). Pode-se dizer que a tendência do português é se aproximar da pronúncia original, embora haja exceções (Texaco, Volkswagen). Essa tendência é o que leva a crer que a pessoa que decidiu falar \rezetar\ fez assim por ignorância da pronúncia original. E é a ignorância interlinguística que gera infinitas outras pronúncias que poderíamos chamar de erradas. Seja por aplicar os padrões do português, como em reset, seja por aplicar padrões verdadeiros do inglês de forma equivocada, um fenômeno chamado hipercorreção. Quem pronuncia o duty de Call of Duty como \dâtchi\ está fazendo uma hipercorreção, uma vez que a pronúncia americana é /duːti/ (a canadense e britânica seria /djuːti/). É que o U em inglês muitas vezes se pronuncia \â\; a hipercorreção consiste em aplicar essa regra onde não deveria.
Os franceses, ao contrário de nós, tendem a ler os nomes estrangeiros como se estivessem escritos em francês. Isso faz com que São Paulo seja lido \Saô Polô\. Pior: Jethro Tull é falado /ʒe'tʁo tyl/. Em contraste, os brasileiros tentam falar o nome dessa banda como os ingleses falam, só fazendo adaptações para acomodá-lo à fonologia do português.
Nesses casos, a escrita tem precedência sobre a fala. Não é só com palavras estrangeiras que isso acontece: dentro da própria língua, os falantes podem passar a pronunciar uma palavra de certa maneira com base na ortografia. Um exemplo forte: as palavras digno e maligno eram pronunciadas e escritas dino e malino. Na época do Renascimento, as pessoas passaram a escrevê-las com G mudo, só para lembrar a escrita do latim. Muita gente que só conheceu a palavra a partir da leitura deve ter começado a pronunciar o G, sem saber que era mudo, e essa pronúncia acabou se tornando a única.
Esse fenômeno é abundante e há exemplos em várias línguas. Mas a ciência linguística não o reconhece. É que ele se choca com o dogma de que é sempre a fala que determina a escrita, nunca o contrário. Acontece que as teorias é têm que se adaptar aos fatos, não os fatos às teorias. As pessoas não vão voltar a pronunciar "digno" como *dino só para satisfazer as concepções dos linguistas. Os linguistas é que vão ter que abaixar a cabeça e reconhecer que, às vezes, a escrita determina a fala.
Em tempo: o neologismo também aparece na forma "ressetar". O tempo dirá qual das duas vai prevalecer: a baseada na escrita ou a baseada na fala.
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