Chamou a minha atenção que os brasileiros pronunciam "Miss Universo" como se fosse escrito "misuniverso", com um só S e som /z/, e não como se fosse "missuniverso", com dois esses e som /s/. Isso apesar da palavra se escrever com dois esses. Ouça:
Isso não deveria ser uma surpresa, porque a linguística sabe que, quando as pessoas falam de forma espontânea, nem passa pela cabeça delas a ortografia das palavras. A língua é a língua falada; a escrita não passa de um código que aprendemos depois para representar a fala.
Ou seja: quando uma pessoa vai falar, ela só segue as leis da pronúncia, nunca as leis da escrita. E uma das leis da pronúncia em português é que, quando uma palavra que termina em /s/, como Miss, se encontra com uma palavra que começa em vogal, como universo, o /s/ vira /z/ e passa para a outra sílaba: \mi-zu-ni-ver-so\. Notem que eu estou falando dos fonemas, não das letras. Toda palavra que termina com o fonema /s/ está sujeita a essa regra da fala, não importa se é escrita com S, Z, ou, até, SS (um caso que só acontece com palavras importadas, como miss).
Agora vejam outro exemplo: "Miss Brasil". É pronunciado \miz-bra-ziu\, em oposição a "Miss Peru", que é pronunciado \mis-pe-ru\*(ver nota). Aí fica ilustrada outra regra. O /s/ vira /z/ sempre que vier em seguida uma consoante sonora, como B (em contraste com P, que igual a B, só que não sonora).
Agora o inglês
Notem bem: essas regras só valem dentro do português. Outras línguas podem não segui-las; o inglês, por exemplo, não segue. Mas, como fica claro, uma pessoa que aprende uma nova língua tende a cometer o erro de aplicar nela as mesmas regras de pronúncia da língua nativa. Temos aí um exemplo. Em inglês, "Miss Bianca" se pronuncia com o S surdo [s] em "Miss"; a pronúncia não é a mesma de "Miz Bianca", como um falante de português poderia pensar. Tanto que existe a palavra separada Miz, mais comumente escrita Ms., falada sempre diferente de Miss, não importa o som que vem depois. Compare:
Em português, ao contrário, paz e pás são falados exatamente da mesma forma, seja ela /pas/ ou /paz/ (depende exclusivamente do som que vem em seguida).
Dizemos então que o inglês contrasta /s/ e /z/ nessas posições, ao contrário do português, que não os contrasta. Em português, /s/ e /z/ são tratados como se fossem um som só, mas cada um aparece num contexto diferente. Em linguística, dizemos que esses sons estão em distribuição complementar.
Em português, /s/ e /z/ só contrastam quando estão originalmente no começo de sílaba. Por exemplo, zonzo e sonso são falados de forma diferente (são pares mínimos); os sons /s/ e /z/ se contrastam, diferenciando uma palavra da outra. Já em faz e fás, os mesmos sons não se contrastam.
Então lembre-se!
Em inglês, "My boss is Tess Myers" se pronuncia "My boss iz Tess Myerz", e não "My boz iss Tez Myerss", como seria se aplicássemos as regras do português. Em inglês, se uma palavra termina com /s/ ou com /z/, ela fica com esse som sempre, não importa a palavra que vier depois.
* Em várias regiões (incluindo o Rio de Janeiro e o sul de Portugal), o S antes de consoante soa [ ʃ ] (som de X) se a consoante for surda e [ ʒ ] (som de J) se for sonora. Nessas regiões, são quatro fonemas, e não dois, que estão em distribuição complementar: /s/, /ʃ/, /z/ e /ʒ/. Por questão de clareza, aqui foi registrada somente a pronúncia geral do Brasil e a do norte de Portugal.
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