PIRIGUETE ou PERIGUETE? Qual é o certo?

Periguete está escrito com E no dicionário Aurélio Escolar, talvez o único dicionário consagrado que contenha essa palavra. A definição dada é "moça ou mulher que, não tendo namorado, demonstra interesse por qualquer um". A imprensa sisuda parece também adotar a grafia com E, que, no Google, rende mais resultados do que "piriguete". É o suficiente para proclamar que periguete é o certo. 

A gente pode afirmar com confiança que a palavra veio de perigo (ou algum derivado) mais o sufixo -ete. Essa origem justificaria a grafia com E. 

Mas, se você perguntar à internet, vai obter as respostas mais esquisitas. 
 na Bahia, visitantes estrangeiros que se dedicavam ao seu inocente turismozinho sexual de costume, “tentando imitar os brasileiros, chamavam as mulheres de gatinhas [...] Eles se confundiam e, em vez de falar little cat, falavam pretty cat (ou pretty girl, alegam alguns dissidentes); os locais, ao tentar imitar os turistas (por quê, mesmo?), acabavam embolando as duas palavras e pronunciavam /piriquéte/ — e daí piriguete“. Como a Bahia atrai brasileiros de todos os estados, e a Ivete Sangalo canta uma música que ostenta este vocábulo na letra, nada mais natural, então, que ele tenha se espraiado pelo país afora… Fonte 

A palavra teve origem na periferia de Salvador. A expressão 'periguete', que é mais usada na versão 'piriguete', é fruto da junção das palavras "perigosa" e "girl" (garota em inglês), porém o “ete” foi adaptado para dar soar melhor. Fonte

Essas explicações soam falsas, têm cara de falsas, têm cheiro de falsas, têm gosto de falsas, e, se você tateá-las, vai ver que têm consistência de falsas também. Ou melhor, não têm é consistência nenhuma.

A afirmação de que a palavra vem do inglês é suficiente para duvidar da história. O Brasil é rico em lendas assim. Quem é que nunca ouviu que forró se originou do inglês for all? E essa nem é a pior. Não é surpreendente que a maioria dessas lendas urbanas use palavras do inglês, língua vulgarizada e disponível para muito linguista de boteco. Se tantas palavras aparecessem pela influência de estrangeiros, seria de se esperar que mais delas viessem de línguas mais obscuras, como alemão ou polonês.

O que completa o aroma de inautenticidade das histórias é a transformação fonética super-rápida que o termo teria sofrido. Como é que "piriquete" teria virado "piriguete" num tempo tão curto? Tudo bem que algo parecido aconteceu com o latim no caminho até o português, com amicus virando amigo, mas isso levou séculos. E que história é essa de "girl" virar "guete" para "soar melhor"? Eu aguardo o dia em que Batgirl vai ser chamada de Batguete. 

As duas lendas são eliminadas pela Navalha de Occam, princípio segundo o qual, na dúvida, deve ser adotada a explicação mais simples, que implique o menor número de suposições novas. Ambas as lendas são cheias de suposições inusitadas: que um estrangeiro que conhecesse a expressão "gatinha" fosse inventar de traduzir para o seu idioma; que ele se enganasse e fizesse uma tradução errada; que os baianos quisessem imitar a expressão; e por aí vai. Compare essa complicada sucessão de bobagens com a simplicidade da nossa hipótese: periguete é uma garota-perigo. 

"Você está fazendo isso errado" é uma tradução tosca que pegou


Você já deve conhecer o meme humorístico "Você está fazendo isso errado". A frase pode ser aplicada a quase qualquer situação que esteja sendo feita errado, mas parece que ocorreu uma especialização: hoje em dia ela é usada principalmente para situações em que uma instrução é tomada literalmente demais. 

Você provavelmente já sabe que o meme é uma tradução direta do inglês "You're doing it wrong". O que você talvez não saiba é que foi uma tradução errada. A frase resultante ficou desajeitada e artificial. 

Qual seria, então, a tradução certa? Existem duas possibilidades: 
Opção A - Você o está fazendo errado
É uma tradução mais precisa da frase original. O problema é que soa ainda mais artificial para um brasileiro (embora não para um português). É que o pronome oblíquo "o" não faz parte da língua vernácula do Brasil. Ele só é usado na língua padrão e dá um tom formal ao texto, o que é inadequado aqui. A frase precisa soar como se estivesse saindo da boca de uma pessoa real no calor do momento. É aí que a gente vai para a segunda possibilidade.
Opção B - Você está fazendo errado
Essa é a tradução adequada. Repare que essa frase, ao contrário da primeira, não tem objeto para o verbo. Uma curiosidade: o português é a única língua latina que permite frases assim. Quer ver? Olha como a mesma frase foi traduzida para o espanhol:

"Usted lo está haciendo mal": o "lo" é equivalente ao nosso "o". É um pronome que aparece para não deixar o verbo ficar sem objeto, e que se refere a alguma coisa que já foi mencionada. Adivinha qual pronome cumpre essa função em inglês? IT! É isso o que o it significa, e não "isso", como pensou o tradutor incompetente. "Você está fazendo isso errado" é tradução correta de outra frase: "You're doing that wrong". 



Como pronunciar Arjen Robben

Clique aqui para ouvir as pronúncias dos holandeses para o nome do jogador Arjen Robben.

A pronúncia clássica e mais comum é com o R vibrante (ouça) , um som incomum no Brasil, mas que a gente ouve na fala de pessoas como Luiz Felipe Scolari (Felipão) e José Serra.   

A segunda pronúncia válida é um som gutural (clique para ouvir) que, aos ouvidos de um brasileiro, soa como o nosso "RR", mas que os holandeses vão achar bem diferente.
Ainda em alguns sotaques, o som do R de Robben é realmente idêntico ao som do R inicial no Brasil (ouça e compare)   
Com tudo isso, como é que grande parte dos jornalistas do Brasil escolhe pronunciar o nome do jogador holandês? Com um R retroflexo (ouça), como se estivessem falando inglês. É que, em certa lógica provinciana brasileira, toda língua exótica é inglês. 
  
É preciso contar toda a verdade: até existe uma cidade na Holanda (Leiden) onde as pessoas realmente falam Robben desse jeito, com R retroflexo como em inglês. Mas isso justifica a pronúncia que os jornalistas têm dado? A resposta honesta é não. No máximo, a informação serve de desculpa ad hoc para quem adotava a pronúncia sem nunca ter ouvido falar de Leiden.

É indefensável que Robben seja pronunciado no Brasil de qualquer forma que não igual a robem (de roubar). Além de ser aceitável em holandês, é o nosso jeito natural de falar. O que não é nada natural para a gente é o R retroflexo que imita o inglês. A pessoa que fala assim sai da naturalidade dela achando que está sendo mais correta e elegante, quando, na verdade, está conseguindo justamente o contrário. O nome técnico para isso é hipercorreção. É o mesmo erro que o pai de Gleisi Hoffman cometeu: quis homenagear Grace Kelly, mas achou que /Greice/ era pronúncia de gente ignorante e "corrigiu" para /Gleice/.

EU TÔ ou EU TOU? Qual é o certo?

Resposta curta: Em Portugal, só se usa "tou". No Brasil, os dois são usados; "tô" é mais comum, mas "tou" é mais recomendável.

Resposta longa: 
A maioria dos brasileiros escreve "tô", inclusive em publicações impressas. Em Portugal, por outro lado, ninguém pensa em escrever "tô": tou é a única forma conhecida. Por quê? Seria porque eles pronunciam o U, ao contrário dos brasileiros? A resposta está justamente no contrário: eles pronunciam ainda menos que nós. 

Em fala relaxada, os brasileiros não pronunciam o U de palavras como roubou. Só pronunciam numa fala tensa, seja quando estão lendo diretamente de um texto, seja quando estão falando com muita ênfase. A palavra ou, por exemplo (e que exemplo é melhor?), é normalmente falada /ô/, mas se ouve /ou/ quando é falada de forma lenta e enfática. A expressão ou seja parece ser falada assim sempre. O U também é sempre ouvido na forma inteira estou, porque essa palavra só é ouvida em situações de muito monitoramento ou influência da escrita.

Já com os portugueses a história é outra. Eles falam estou sempre /estô/, ou sempre /ô/, roubou sempre /robô/, não importa o grau de monitoramento. (A exceção é a região norte do país, onde, ao contrário, falam sempre /estou/, /ou/, /roubou/, não importa o quê.) 

A lógica então é essa: se um brasileiro escreve "tô", é porque ele acha que, se escrevesse "tou", o leitor poderia se enganar e pronunciar o U. Um português, ao contrário, não tem a menor chance de pronunciar esse U, por isso escreve "tou" mesmo, uma derivação mais natural a partir de "estou" e que combina com sou e dou (já que que ninguém escreve e em país nenhum)

Faça a sua escolha. Recomendo tou.

Aécio Boladasso pode não ser crime eleitoral, mas é crime ortográfico

O PSDB entrou com um processo e diz que a página "Aécio Boladasso" foi um crime eleitoral (porque foi feito nos servidores de uma prefeitura administrada pelo PT). Pode ou não ter sido crime eleitoral, mas uma coisa é certa: foi um crime ortográfico hediondo, inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. 

O certo era "BoladaÇo", com C. O sufixo é -aço! Como é que a pessoa que criou a página pode não saber disso? Nunca leu palavras como amigaço, lerdaço, mulheraço, ou Maracanaço? Aliás, em espanhol se escreve Maracanazo, porque, na língua deles, o Z perdeu a sonoridade e passou a ser pronunciado igual a Ç. Então, no século XVIII, os espanhóis acharam que o Ç tinha ficado inútil e o substituíram por Z em todas as palavras (e, por curiosidade, o símbolo embaixo do C é um Z caligráfico) . Por isso, o espanhol é um guia possível para saber se, em português, se escreve com Ç ou com S. Por exemplo, eles escrevem grandazo, e nós grandaço. Por outro lado, escrevem fracaso, e nós fracasso, porque aí não tem o sufixo -aço (ou -azo): vem da palavra italiana "fracasso". 

Você fala igualzinho ao Chico Bento e não sabe. Veja só

As falas das histórias do Chico Bento sempre vêm numa escrita fora do comum, a não ser quando o personagem é urbano ou escolarizado (e não necessariamente os dois ao mesmo tempo).

Mas quem escreve essas falas não entende de linguística e faz errado: muitas vezes, usam uma grafia alterada para representar um fenômeno fonético que eles pretendem que seja rural, mas que, na verdade, está na fala de todos os brasileiros. 

Vamos tomar os quadrinhos acima de exemplo. Quando Chico Bento diz "I eu qui vô sabê? Ocê também feiz prova?", a professora fica ultrajada em ouvir um português tão errado e briga com ele. Mas o que ele falou foi tão errado assim? Vamos descobrir.

I, QUI - As palavras "e" e "que" não são faladas de outra forma na língua padrão da mídia, assim como na fala habitual de todos os brasileiros, exceto em alguns poucos pontos do Sul. Qual é o sentido, então, de escrever "qui" no balão em vez de "que", "di" em vez de "de" ou "mi" em vez de "me"? O que é que se quer representar com isso? Só se for que o personagem não sabe escrever. 

 - É aceitável terem escrito assim, porque as pessoas em geral falam /vou/ quando estão lendo um texto. Apesar disso, diga-se que absolutamente TODOS os brasileiros falam /vô/ em fala relaxada, tanto no campo quanto na cidade. A maioria dos portugueses também fala assim (no caso deles, não só na fala relaxada, mas também na mais monitorada).

SABÊ - Na língua padrão se costuma falar /saber/, mas, em linguagem mais espontânea, 100% dos brasileiros falam "sabê". Chico Bento não está sozinho.

OCÊ - Esse aí está justificado. "Ocê" não é tão difundido no Brasil. O mais difundido é "cê". 

FEIZ - A grande maioria dos brasileiros fala /feis/, /nóis/, /mais/ as palavras escritas fez, nós, mas, exatamente como o Chico Bento; a exceção fica com algumas regiões no Sudeste e no Sul. Com certeza a professora pronunciou "portuguêis", mas no balão dela está escrito "português". Por que, então, está escrito "feiz" no balão do Chico? Dois pesos e duas medidas.

Conclusão: nos balões do Chico Bento poderia perfeitamente estar escrito "E eu que vou saber? Ocê também fez prova?". Aí é que a gente vê que a reação da professora foi absurda, no sentido original da palavra mesmo: logicamente impossível. Tem que lembrar que ela está ouvindo o Chico Bento falar, não está lendo balões no ar, e a gente não pode ouvir erros de ortografia como "qui" e "vô". Para a professora ter achado que o Chico Bento falou errado, só mesmo ela tendo OUVIDO os erros de ortografia, e isso é tão surreal quanto ouvir uma cor ou enxergar um som.   

Outras falsas peculiaridades do Chico Bento:


 "Num quero, mãe!" - De acordo com a minha pesquisa, é assim mesmo que qualquer brasileiro fala o "não" em posição fraca. 
Sinhora - A maioria dos brasileiros fala assim
Pur - É provável que todos os brasileiros falem assim também. Os portugueses sempre falam.
Comemoramo - É assim que os brasileiros cultos falam. "Comemoramos" com /s/ só é falado na linguagem monitorada. 
Bejo - Absolutamente todos os brasileiros falam assim, e uma minoria dos portugueses também. Só em linguagem muito monitorada é que falam /beijo/.
Subé - Em Minas Gerais, é assim que todo mundo fala "souber"; não sei como é em outras regiões. Não falam assim em Portugal, justamente o lugar onde mais se esperaria; a maioria dos portugueses fala /sô-ber/, uma minoria fala /souber/. 

Os quadrinhos do Chico Bento também pecam por falta: é comum ler nos balões palavras de registros linguísticos mais altos, como "esta" (os brasileiros só falam "essa") ou "sorriam" (é bem raro um brasileiro usar essa conjugação).

O Maurício de Sousa podia pensar em contratar um consultor linguístico. 

Vamos SE encontrar ou vamos NOS encontrar?

Uma página com o título "Dicas de português para você não pagar mico" deu a seguinte dica:
Nunca diga:- Vamos “se ver” amanhã? : o correto é Vamos “nos” ver amanhã? Da mesma forma, você não deve dizer: Eu “se” cuido, mas sim: Eu “me” cuido.
Outra página, intitulada "21 lições de português que todo profissional precisa saber", dizia:
Nós nos encontramos e eles se encontram
“Legal, vamos SE encontrar, sim.”
Certo Legal, vamos NOS encontrar, sim.
Se você cometer esse erro é bem provável que alguém desista do encontro. Lembra dos pronomes reflexivos? Vamos lá... Eu me encontro, Tu te encontras, Ele(Você) se encontra, Nós nos encontramos, Vós vos encontrais, Eles(Vocês) se encontram. Da próxima vez, capriche mais no convite, ok?
É preciso relativizar isso aí. No Brasil, "Vamo se vê", "Vamo se encontrá" são falados em todas classes sociais (ao contrário de "Eu se cuido", que não é). Ninguém sente isso como errado numa situação informal, e é quase só em situações informais que a frase "Vamo se vê" vai ser ouvida em primeiro lugar. Ou não?

Numa situação formal, tudo bem, é preciso respeitar a gramática tradicional e dizer "Vamos nos encontrar". É o "correto", pelo que as pessoas costumam querer dizer com essa palavra. Numa situação mais formal ainda (e só na escrita), deve-se dizer "Encontremo-nos".

Há alguém no Brasil que diz "Vamo nos encontrar" em situação informal? Deve haver, embora o pronome oblíquo "nos" seja muito pouco usado atualmente. De todo modo, esse uso também não deve causar estranhamento. Como diria o outro, ninguém vai desistir do encontro por causa disso tampouco. Vamos se expressar como a gente quer!

Ah, sim. Existe a interpretação (por Marcos Bagno) de que o pronome implícito em "Vamo se vê" não é "nós", e sim "a gente". O oblíquo de "a gente" é "se", mas não existe imperativo específico para esse pronome, o que faria as pessoas recorrerem ao "vamos".