Estava andando na rua e vi uma óptica bem do lado de uma ótica. Andei mais um quarteirão e me deparei com mais outra ótica colada com uma óptica.
Em todo o Brasil é desse jeito. Umas lojas decidem se chamar de "óptica", outras preferem não usar o P, e fica assim. Qual é o correto?
Quando os letreiros de comércio popular não conseguem concordar numa só grafia para certa palavra, geralmente uma está certa e as outras, erradas. Às vezes comicamente erradas.
O caso de ó(p)tica é diferente. Os dois estão certos. A ideia, quando codificaram a ortografia brasileira, era que devia escrever com P quem falasse o P, e não escrevê-lo quem não o pronunciasse. Na prática, não foi bem assim; falamos disso em breve.
Quando os portugueses tentaram fazer um acordo ortográfico com o Brasil, pensavam diferente. Tinham horror de imaginar "óptica" e "ótica" se alternando caoticamente nas ruas. A concepção de uma ortografia é justamente fixar uma forma única de escrever cada palavra, mesmo que haja variações na pronúncia. Isso é confortante. O número 10 pode ser falado como "dés", "déis", "déish" ou "désh", mas todos escrevem dez. Fiéis a esse princípio, os portugueses escreviam sempre "óptica", embora a pronúncia em Portugal fosse invariavelmente "ótica". Se em algum lugar do mundo havia alguém que pronunciava o P, o P tinha de ser escrito por todos.
Não foi essa a lógica que venceu no Brasil. Aqui preferiram prender a ortografia à fala, para tornar mais fácil o trabalho de quem aprende a escrever.
Isso era o que os membros da Academia Brasileira de Letras pretendiam. Mas ninguém pode impedir uma pessoa que fala "ótica" de escrever "óptica".
E essa escolha tem sido feita pela maior parte do meio científico, principalmente médico, por uma razão poderosa: já existe outra palavra grafada "ótica", uma palavra distinta daquela que estamos discutindo. É um adjetivo que quer dizer "relativa a orelha" ou "eficaz contra os males da orelha" (Houaiss) e tem parentesco com bastantes palavras, entre elas otite (inflamação no ouvido) e otorrinolaringologia (sendo o "rino" referente ao nariz e "laringo" à laringe). Também tem paralelo em outras línguas: otic em inglês, otique em francês, e otico em italiano (em oposição a ottico para "óptico").
Mas e você? Deve escrever óptica ou ótica? Pode seguir o princípio alfabético e escrever da maneira como falar, ou pode escolher uma das duas grafias de acordo com os seus próprios critérios.
Em favor de óptico(a) está principalmente o fato já explicado de impedir confusão com o adjetivo ligado a orelha. Um peso a mais é a similaridade dessa forma com as equivalentes de outras línguas (optic em inglês, optique em francês).
Em favor de ótico(a) e ótica, além de parecerem ser mais comuns, há um fator novo, recém-surgido. Portugal assinou um acordo ortográfico com o Brasil e aboliu o P mudo; tudo indica que lá só vai existir "ótica" a partir de agora. Quando temos escolha, é bom ficar com a variante que vale para os dois países, em vez da que só existe em um deles.
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