Preconceitos infundados contra o sotaque mineiro

Os quadrinhos acima são um exemplo da ignorância geral em relação ao sotaque mineiro. O preconceito é principalmente dos próprios mineiros, que, aliás, eu imagino que sejam quem mais publica coisas como essa na internet. É que eles se identificam com esse tipo de fala, mas não têm como saber que, na verdade, pessoas de todas as regiões também falam assim. A fala de outras regiões que chega até eles costuma ser em português padrão, causando uma impressão distorcida.

É desnecessário dizer que as falas nos quadrinhos pretendem representar uma forma de falar típica de Minas Gerais. No entanto, só acertaram em dois pontos: uai e sô são de fato típicos da região, embora possivelmente não sejam exclusivos de lá. TODOS os outros itens, todos, se manifestam em falas de todas as regiões do Brasil, não só de Minas Gerais. Um por um:

Nóis - Belo Horizonte é justamente um dos poucos lugares em que "nós" não se pronuncia /nɔis/, e sim /nɔs/. No interior de Minas, segundo Antenor Nascentes, se diz de fato "nóis", mas também é assim que se fala em quase todo o Brasil, com exceção de alguns pontos no Sul e Sudeste. Portanto, absolutamente não é um traço mineiro.

Nós quer - Esse tipo de concordância verbal se ouve por todo o Brasil, não só em Minas Gerais. É um modo de falar típico das classes baixas de todo lugar, e não de uma região em particular.

Qué - O apagamento do /r/ no fim dos verbos está na fala de absolutamente todos os brasileiros. O R só é pronunciado quando a fala é muito monitorada. 

Qui, iscrevi - Em quase todo o Brasil (com exceções bem pontuais, como o Paraná) o E átono em fim de palavra é obrigatoriamente pronunciado como /i/. O mesmo deve valer para o primeiro E de "escreve", que também em Portugal é pronunciado como /i/. Dessa vez, no entanto, é possível que o autor dos quadrinhos saiba disso, já que estava dizendo que "mineiro escreve errado". Ou seja, o autor deve saber que quase todo brasileiro fala /iscrevi/, mas pensa que só os mineiros são semianalfabetos e escrevem "iscrevi". O que nos leva a outro item.

Mineiro escreve errado - Essa afirmação é tão obviamente falsa que nem mereceria contestação, mas contesto mesmo assim. Mineiro não escreve pior que gente de outras regiões. Se é que existe diferença, deve escrever é melhor, porque o estado tem ficado entre os melhores do Brasil em exames que avaliam a educação. 
Na verdade, não existe nenhum estereótipo na sociedade de que mineiro escreva errado. Quem fez essa associação foi o autor dos quadrinhos: se mineiro fala errado, é porque é ignorante, e, se é ignorante, escreve errado. Na verdade, quase todos os traços "errados" das falas nesses quadrinhos estão igualmente presentes em pessoas de todos os níveis de instrução. Só um deles é realmente associado a pessoas de baixa instrução: "nós quer". (Aliás, o fato de falarem assim não é consequência de terem baixa instrução; a realidade é muito mais complexa que isso, mas esse assunto fica para outra vez.)

Precisa ter pressa não - O fenômeno que se aponta aqui é inverter a ordem das palavras: em vez de não precisa, precisa não. É provável que essa forma de falar tenha vindo primeiro da forma não precisa, não, com queda do primeiro não. Esse modo de falar deve existir em todo o país, mais o lugar a que é mais associado é o Nordeste, não Minas Gerais.