Como se escreve, RECISÃO ou RESCISÃO?

A grafia de "onisciência" é difícil para muitos brasileiros. Até uma igreja evangélica a grafou *ONICIÊNCIA em sua página na internet (clique). Aparece assim logo no título e ao longo de toda a transcrição de uma pregação com o tema da onisciência de Deus.  O texto faz referência à Bíblia: 
a oniciência – que é a capacidade divina de saber de todas as coisas (Sl 139:1)
 Mas se vê que o escritor não estava prestando atenção no texto bíblico, porque se estivesse teria visto que se escreve "onisciência".

Mas por que é que é assim?


Como acontece na maioria das vezes, este é um caso em que os portugueses encontram menos dificuldade que os brasileiros. 


Comecemos do começo: 

No Brasil, "SÇ" é falado assim como "Ç". Pode-se interpretar como um dígrafo ou dizer que o S é mudo. Em Portugal, no entanto, não é assim. O S não é mudo e não se trata de dígrafo, porque se ouvem dois sons para as duas letras. Ouça como falam "piscina":
É \pich-sina\. Alguns podem falar \pixina\; nesse caso, a pronúncia coincide com a de piscina em italiano, por puro acaso.

No Brasil, silabamos a palavra como "pis-ci-na" só na escrita, e na fala falamos "pi-sci-na". O motivo de dividirmos as sílabas dessa forma antinatural para nós é que é realmente desse jeito que os portugueses pronunciam a palavra: "pis-ci-na". Como o S está em final de sílaba, é falado com som de X (ou CH, já que o X é uma letra com várias pronúncias). É o mesmo fenômeno que acontece no Rio de Janeiro, em Pernambuco e na região Norte do Brasil, entre outros lugares. 


Em Portugal, portanto, não pode haver dúvidas quanto à escrita de omnisciência (lá tem M), porque falam \omnichciência\


Originalmente, ciência era escrito sciência, em harmonia com os parentes onisciência consciência. Cisão era scisão, cena era scena. Mas, nessa situação, o S não pode ser pronunciado com som de CH, já que não está em fim de sílaba; nesses casos, o S era mudo em Portugal e falavam \ciência\, assim como no Brasil. 


Aí veio uma reforma ortográfica para simplificar a escrita e o S mudo sumiu. Sciência passou a "ciência", scisão a "cisão". Mas onisciência nunca poderia passar a *oniciência, porque o S aí não era mudo em Portugal. Rescisão nunca poderia ser *recisão. E aí ficamos com essa incongruência aparente, que não confunde os portugueses, mas confunde os brasileiros: cisão e rescisão, ciência e onisciência. O curioso é que quem quis assim foi o Brasil; os portugueses escreviam scisão e passaram a "cisão" porque os brasileiros decidiram tirar o S.


Depois que o S de sciência e afins já tinha virado mudo, formaram-se novas palavras: neuro + ciência, anti + científico. Mesmo se escrevêssemos sciência, seria inadequado escrever essas palavras como *neurosciência e *antiscientífico, porque os portugueses não falavam \neurochciência\, e sim \neurociência\. Teríamos de escrever "neuro-sciência" e "anti-scientífico", usando o hífen para mostrar que o S não está em fim de sílaba e por isso não chia. Se hoje nos confundimos com onisciência versus neurociência, num mundo paralelo ficaríamos sem saber por que "neuro-sciência" teria hífen mas "onisciência" não. Decida você o que é melhor.


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