Uma coisa que as crianças sabem melhor que os adultos

A escrita de crianças em fase de alfabetização deve ser uma boa forma de saber como um povo realmente pronuncia as palavras. No mínimo, é melhor do que perguntar aos adultos, porque eles têm muito menos consciência da forma como falam do que as crianças. É que elas não são enganadas pela forma como escrevem, ao contrário dos adultos. 

Eu sou prova disso. Em palavras como sentar, índio e anta, eu tive certeza durante anos de que pronunciava o N como /ŋ/, o som que em inglês se escreve "ng" (como em sing). (Para ouvir esse fonema, clique aqui.) Mas era ilusão minha. Na verdade, o N não costuma ter som próprio nessas palavras; só serve para mudar a vogal anterior, nasalizando-a. 


E como foi que eu descobri que estava errado? Foi preciso que visse textos que tinha escrito com 5 anos de idade. Eu mesmo me desmenti; não podia haver prova mais contundente. Em determinados momentos, grafei "iteidel" por entendeu e "ciderela" por Cinderela, por exemplo. Com 5 anos, eu sabia que falava Cinderela como /sĩderela/, sem nenhum fonema entre /ĩ/ e /d/. Anos depois, quando já sabia escrever, cismei que falava /sĩŋderela/, só porque escrevia "Cinderela" e achava que o N tinha que ter um som próprio. Aprender a escrever me fez mais ignorante sobre o modo como eu mesmo falava. 


É correto que a escola funcione assim, porque a consciência da fonética só é útil para quem estuda a língua. Uma pessoa comum pode passar a vida toda achando que fala /sĩŋderela/ em vez de /sĩderela/ e nunca vai perder nada com isso. Problema mesmo seria se continuasse escrevendo "Ciderela" sem N.

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