Treis, Mais (Três, Mas)

Estamos no ano 2013 depois de Cristo. Todo o Brasil foi ocupado pela ditongação de faz em \fais\ e mês em \meis\... Todo? Não! Uma região no sul do país ainda resiste ao "i" invasor. E a vida não é nada fácil para as guarnições de legionários ditongadores nos campos fortificados do Rio de Janeiro, Nordeste, Norte e Centro-Oeste... 

A aldeia de Belo Horizonte é um irredutível foco de resistência à ditongação, cercada de todos os lados por regiões onde arroz e dez se dizem \arrois\ e \déis\. O povo de Belo Horizonte continua firme e forte falando \arrôs\ e \dés\. No entanto, há duas palavras que constituem notáveis exceções: três e mas, pronunciadas \treis\ e \mais\. Diferentemente do Sul do país, onde a pronúncia parece ser \três\ e \mas\.

Isso é estranho. O que é que poderia ter feito só essas duas palavras, e mais nenhuma, sucumbirem à ditongação? 

Poderíamos pensar que é porque são palavras muito comuns, e seu uso frequente teria feito com que entrassem mais rápido no processo de mudança. Mas o também numeral dez é uma palavra tão comum quanto três, e não sofreu o mesmo efeito, o que parece descartar essa hipótese.

Até que se descobre o livro O linguajar carioca, no qual Antenor Nascentes faz um retrato da fala quotidiana do Rio exatamente cem anos depois do Brasil ter se separado de Portugal (1922, com atualizações em 1953). O livro leva a crer que o fenômeno de ditongação do qual estamos falando ainda não tinha aparecido; as palavras mas e dez aparecem com notação \max\ e \dex\, e não \maix\ e \deix\. As únicas palavras no qual a ditongação é mencionada são, na grafia original, "nóis", "vóis" (com a ressalva de que na classe culta é "vós"), e "trêis" (também falada "três"). A transcrição exata é a seguinte:


Os numerais cardinais são: um, dois (e não dous), três, ou trêis (analogia com seis?), quatro, cinco, seis, sete, ôito, como no sul de Portugal, e não óito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, por influência de quatro (quatro mais dez), quinze, dezesseis nas classes culta e semiculta e dezasseis, como em Portugal na clase inculta.

Ficamos sabendo que três passou a ser dito \treis\ num processo diferente de e anterior àquele que levou vez a ser falado \veis\. É por isso que se diz \treis\ em Belo Horizonte. Só resta o mistério do "mas".


Curiosidade: Foi por causa da ditongação de três que os brasileiros começaram a dizer "meia" no lugar de de "seis" ao enunciar números de telefone. Isso serve para que "seis" não possa ser confundido com "treis".
Outra curiosidade: Em Portugal esse hábito não existe, porque a ditongalização de oxítonas com coda sibilante não ocorreu como no Brasil. Sempre dizem "seis" ao enunciar telefones, porque não é confundível com \três\.

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